A autora de novelas Gloria Perez, conhecida por sucessos como O Clone e Salve Jorge, criticou o que chamou de cultura woke e o politicamente correto em entrevista à Folha de S. Paulo. Segundo Perez, essas influências estariam engessando a criatividade dos autores e limitando a abordagem de temas delicados nas novelas. Ela afirmou que, devido ao receio de ofender determinados grupos, as tramas atuais carecem de conflitos, elemento essencial para o desenvolvimento de narrativas complexas. “Sempre achei que o politicamente correto engessa, reduz e elimina a possibilidade de conflito. Ao fazer isso, ele amordaça e empobrece o autor”, declarou.
Censura moderna e autocensura
Perez comparou o atual cenário com a censura imposta durante a ditadura militar no Brasil, afirmando que a situação atual é ainda pior. Enquanto antes havia um agente específico responsável pela censura, hoje, segundo a autora, existe uma “multiplicidade” de censores nas redes sociais. “Antes, você tinha uma censura. Agora, a censura está espalhada na sociedade. É muito pior”, comparou. A autora argumenta que o medo de desagradar a audiência impede a discussão de temas polêmicos, resultando em novelas formulaicas e sem a capacidade de provocar reflexões. “Como criador de histórias, você procura compreender e mostrar os sentimentos humanos em relação a um determinado assunto. Mas, hoje em dia, com essa coisa de não poder ofender um grupo, não poder ofender outro, você acaba fazendo uma novela sem conflito”, explicou.
O fim do contrato com a Globo
A autora também revelou os bastidores do fim de seu contrato com a Rede Globo, após um impasse envolvendo sua nova novela, Rosa dos Ventos, que abordaria o tema do aborto. Segundo Perez, a emissora teria “barrado” e “adiado” o projeto por “medo de desagradar algumas áreas”. Apesar do interesse da Globo em renovar seu contrato, a autora recusou a proposta. “A minha assinatura é lidar com temas delicados e trazer o público para a discussão. Se eu não puder fazer isso, eu acabo”, afirmou. Perez reforçou sua incapacidade de criar sob restrições, declarando: “Eu sou incapaz de pensar engessada”.
Sucessos do passado, inviáveis no presente?
Gloria Perez acredita que novelas como O Clone, Salve Jorge e Caminho das Índias, que nos últimos anos receberam críticas por supostamente retratarem culturas estrangeiras de forma estereotipada, não seriam aprovadas hoje. Ela defende que, apesar das críticas no Brasil, essas novelas foram bem recebidas nos países que serviram de inspiração para as tramas. “Foram novelas inovadoras, que pressupõe correr riscos”, justificou, citando como exemplo “Salve Jorge”, que abordava o tráfico humano e a prostituição. “Não imagino que essa ousadia fosse aprovada hoje”, concluiu.
A autora também comentou brevemente sobre sua última novela na Globo, “Travessia”, que enfrentou críticas e baixa audiência. Perez defendeu a escalação da influenciadora digital Jade Picon para o elenco, afirmando que ela “deu vida a momento emocionante e não atrapalhou o enredo”. No entanto, a autora sugeriu que problemas internos prejudicaram a produção. “‘Travessia’ foi um ponto fora da curva. Essa novela foi implodida por dentro. Não deu certo intencionalmente. Mas eu não quero falar sobre isso. Detestei não ver no ar aquilo que eu escrevi”, finalizou.